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                   Foto: https://blog.maxmilhas.com.br/destinos/bogota-co 
                      
                    BOGOTÁ - COLÔMBIA 
                     
                      23-11-1985  
                    
                  Percorri toda a Plaza Bolívar, de um canto a outro, buscando  os seus melhores ângulos. O chão de pedra lavrada nada tem de seu aspecto  original, colonial, mas é admiravel. Nenhuma árvore e os edifícios públicos e  religiosos se impõem em toda a sua integridade. Volumes soturnos, pesados,  arqueados pelo tempo, com um quê de passado, de cenário de teatro, de pintura  patriótica.  
                     
                    Assim eu revia a Plaza Bolívar, de Bogotá, no último dia 3 de novembro. Era uma  tarde de domingo e as pessoas, com roupas sóbrias, deambulavam em busca das  igrejas e dos cinemas, as duas maiores atividades no centro bogotano, enquanto  os bairros modernos imitam as grandes metrópoles do mundo. 
                     
                    O Congresso Nacional, de um lado, com suas colunas neoromânticas evocam uma  tradição greco-latina, de ressonâncais modais do início do século, ao sopro de  influência norte-americana, do alvorecer de nossas repúblicas. 
                    A Catedral, um enorme contraforte de pedra recortado na silhueta do Monte  Serrat, é penumbrosa e calma, estranhamente violentada com uma porta de  “vidro-fumê” escuro. Dentro, os fiéis rezam as orações seculares e, frente à  porta, os mendigos recolhem as últimas esmolas caridosas. 
                    Do lado direito ergue-se o “Palácio de la Justicia”, uma enorme construção  moderna, de granito amarelado, tentando compor austeramente com o conjunto  colonial, próximo à relíquia arquitetômica que é a Casa del Florero, sítio de  memórias históricas louváveis do transcurso bolivariano.  
                     
                    A paisagem me era familiar e grata, prenhe de lembranças aventureiras e  prosaicas. Desde 1966, quando ali estive pela primeira vez, descobrindo os  Andes e as culturas hispano-americanas da cordilheira, antes de radicar-me na  Venezuela. 
                    A Bogotá de 1966 me pareceu um recuo no tempo, com seus quarteirões coloniais  do bairro da Candelária e, também, com seus velhos ônibus e seus carros  coletivos, ainda com ares urbanos da década de 50. Várias vezes estive ali, na  mesma Praça Bolívar, em anos seguintes, acompanhando as suas metamorfoses,  sobretudo a edificação do Palacio de la Justicia na década de 70. 
                     
                    Caminhei várias horas, nesta última viagem, pelos caminhos andados em passeios  anteriores, redescubrindo lugares familiares, estranhando as novidades ou as  demolições. Felizmente, o casco velho de Bogotá pouco muda, guardando seus  casarões coloniais e seus edifícios modestos das primeiras décadas do século.  Ao contrário, a cidade nova se espraia por quarteirões e quarteirões em direção  ao sul, ao norte e ao oriente, numa explosão demográfica que, não apenas  multiplicou o número de arranha-céus, mas também as casas dos pobres e dos  miserávies, a violência e os assaltos, como nas demais metrópoles do continente  latino-americano.  
                     
                    Em 1966, Bogotá apenas despertava para esta conurbação acelerada. Era a época  dos “hippies” e dos guerrilheiros românticos, da maconha sorrateira e  semi-clandestina. Hoje os “punks” mostram a sua cara de espanto, os  “hara-krishners” ainda cantam pelas ruas, os casais de namorados das classes  populares ainda fazem longas filas para assistirem filmes mexicanos com artistas  de TV e melodrama e a máfia se dedicou ao tráfico de cocaína, enquanto seitas guerrilheiras  se lançam em ações desesperadas.  
                     
                    O Palacio de la Justicia foi invadido por mais de 40 combatentes do M-19, em  pleno dia, sequestrando quase quarenta pessoas, entre humildes servidores e os  juizes da Suprema Corte. Um gesto de tresloucada audácia, no coração mesmo da  capital, a poucos passos do Congresso, próximo da sede do governo! Não existe  precedente de semelhante ousadia no movimento latino-americano !  
                     
                    O M-19 foi o mesmo grupo armado que, há alguns anos atrás, invadiu a Embaixada  da República Dominicana e aprisionou por semanas intermináveis, inclusive os  embaixadores do Brasil e dos Estados Unidos da América (Diego Ascéncio,  atualmente no Brasil). 
                     
                    Daquela vez o M-19 conseguiu humilhar o governo colombiano, obtendo um golpe  publicitário impressionante, apoiado pela moderação, impostar pelo governo  norte-americano. Desta feita, porém, as circunstância s não lhe foram  favoráveis. Queriam impor um juizo à suposta traição do Presidente Betancur ao  plano de anistia, matando, depois dos acordos de paz, os principais líderes  guerrilheios que depuseram as armas. A reação militar foi fulminante.  
                     
                    O Exército invadiu o edifício com tanques Cascavel (de fabricação brasileira), derrubando  a imensa porta de ferro, a fogo e explosão. Seguiram-se incêndios em várias  alas do edifício, enquanto centenas de refens escapavam. Ardeu a biblioteca  jurídica, com toda a melhor documentação histórica especializada do país e  também os arquivos com os processos de extradição da poderosa máfia  colombiana.   
                     
                    O saldo da batalha, acompanhada pelo radio e pela TV, revelou um verdadeiro  holocausto: uns cem corpos carbonizados, incluiindo o Presidente da Suprema  Corte e mais 11 companheiros da mais alta estirpe. O mundo inteiro ficou  estarrecido com a selvageria do Exército e com a ação suicida dos terroristas. 
                     
                    A imprudência e a insanidade da ação guerrilheira foi condensda até por outros  grupos armados de esquerda, ao mesmo tempo em que todo o mundo se horrorizava e  condenava a ação pouco inteligente e truculenta das forças armadas.  
                     
                    Quando voltei a Bogotá, de meu refúgio em Medellin, —onde participava do I  Congresso Latino-americano de Informática y Documentación, no Hotel  Nutibara, onde apresentei dois trabalhos — na semana seguinte, encontrei o  edifício guardado pela polícia, enquanto multidões em romaria cívica,  percorriam a Plaza Bolívar, entre estupefactos e amendrontados.  
                     
                  Depois foi o horror! Logo que cheguei ao Brasil soube da erupção  do vulcão El Ruiz, em Tolima, silencioso  durante um século e meio. As lavas derreteram a neve do pico andino e um rio  tenebroso desceu pelas fissuras das encostas e soterrou a cidade de Armero,  sepultando  a quase totalidade de seus 25  mil habitantes!  
                
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